Quando o assunto é plástico, a realidade coloca os mitos no chinelo
Já ouviu falar em pós-verdade? Eleita a palavra do ano em 2016 pelo Dicionário Oxford, o significado do termo diz respeito a situações em que fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e convicções pessoais. O neologismo consiste na popularização de crenças falsas e na facilidade hoje em dia para fazer com que boatos prosperem rápido. É o que ocorre, por exemplo, com a vilanização do plástico.
Anos atrás, quem esteve na berlinda foram as sacolinhas plásticas de supermercado. De práticas e úteis, passaram a ser tachadas de uma hora para outra de inimigas públicas número um do meio ambiente. Em tempos de bombardeio de informações a cada segundo e por todos os lados, não demorou muito para que as pessoas começassem a fazer juízos de valor sobre o tema sem informação confiável a respeito.
A informação finalmente veio, em 2011, por meio de um estudo inédito, realizado pela Fundação Espaço ECO, Instituto Akatu e Braskem, que comparou o uso de diferentes tipos de sacolas para transporte de compras de supermercado, bem como os impactos econômicos e ambientais de cada alternativa. A conclusão surpreendeu muita gente: a ecoeficiência de cada tipo de sacola depende do hábito do consumidor e, na maioria das situações, as alternativas às tradicionais sacolinhas plásticas não se mostraram mais eco-friendly do que elas.
Mas a despeito do estudo desmistificar a suposta vileza das sacolinhas plásticas, a pós-verdade parece ter prevalecido, já que ainda há muita gente por aí acreditando que as sacolas retornáveis são a melhor opção na hora de fazer compras, enquanto as tradicionais sacolas plásticas continuam povoando o pesadelo de muita gente.
Os fatos se impõem
Na Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), metodologia utilizada para avaliar o impacto ambiental de bens e serviços, foram analisados os ciclos de existência de oito opções de sacolas disponíveis no mercado brasileiro pelo período de um ano. O objetivo foi apresentar dados sólidos que ajudassem no desenvolvimento sustentável por meio do compartilhamento de conhecimento e tecnologias aplicadas em ecoeficiência, educação socioambiental e restauração ambiental.
O estudo levou em consideração a realidade do país quanto a tecnologia, métodos de produção e impactos ambientais decorrentes. As sacolas abarcadas pelo estudo foram avaliadas considerando variados cenários envolvendo maior ou menor volume de compras, maior ou menor frequência de idas ao supermercado, maior ou menor frequência de descarte do lixo, tipo de matéria-prima utilizada em sua produção, capacidade de carga, custo de cada sacola, número de vezes em que é utilizada, reutilização ou não da sacola como saco de lixo e envio ou não delas para a reciclagem.
A ACV foi ampliada para considerar o que é chamado de ecoeficiência, que avalia cada alternativa quanto ao seu impacto ambiental e seu custo – englobando desde a extração da matéria-prima até o descarte da sacola, passando pela sua produção e uso. Desta forma, toda a cadeia produtiva foi considerada e analisada em relação ao impacto ambiental e o custo em cada uma de suas etapas.
O resultado demonstrou que a melhor opção de sacola depende do cenário em que é utilizada, podendo variar segundo o volume de compras, o número de idas ao supermercado e a frequência de descarte do lixo. Foram feitas análises para diversos cenários e identificadas duas tendências. Por um lado, sacolas descartáveis de plástico apresentaram melhor ecoeficiência nas situações que os consumidores têm menor volume de compras, maior frequência de idas ao supermercado e uma periodicidade de descarte de lixo maior, que garanta o reuso das sacolas plásticas como sacos de lixo.
Por outro lado, sacolas retornáveis de tecido ou de plástico apresentaram melhor ecoeficiência nas situações em que os consumidores têm maior volume de compras, menor frequência de idas ao supermercado e uma frequência de descarte de lixo menor, com baixa compra de sacos para acondicionar o lixo. Segundo os pesquisadores, as sacolas descartáveis são vantajosas em um cenário considerado de poucas compras (até duas idas ao supermercado por semana). Já em situações de mais compras (mais de três visitas semanais ao supermercado), as sacolas descartáveis só seriam vantajosas se usadas no descarte de lixo ao menos três vezes por semana.
Sacolas de papel, por sua vez, não se mostraram vantajosas em relação às demais em nenhum tipo de cenário. O motivo é a baixa capacidade de carga, reuso e reciclagem. Já as sacolas oxidegradáveis, também avaliadas no estudo, não apresentaram desempenho ambiental muito melhor do que a sacola descartável tradicional.
Realidade versus pós-verdade
O resultado do trabalho vai de encontro ao que tem sido dito em relação à ecoeficiência, já que há algum tempo se defende que as sacolas retornáveis são melhores para o meio ambiente. O estudo trouxe informações confiáveis para empresários e consumidores finais em relação à escolha da melhor sacola para o transporte de compras de supermercado. A verdade é que não há um único produto mais ecoeficiente que outro em todas as situações – sua eficiência vai sempre depender da situação, do perfil do consumidor, dos cenários de uso da sacola e do descarte de lixo pelos consumidores.
Este estudo foi realizado por instituições respeitadas, cujo trabalho se baliza pela ética e vasto conhecimento técnico. Assim, lidamos com fatos, e não com senso comum, que costumeiramente se atém a mitos desprovidos de fundamentação científica. Acreditar que a sacola plástica em particular e o plástico em suas mais diferentes formas são vilões da sustentabilidade é uma pós-verdade. Algo que combina bem com paixões, narrativas e crenças pseudoecológicas, mas não sobrevive à realidade implacável dos fatos.